- Planejo substituir o
espelho do quarto pelo quadro do coração.
- Planejo tirar o quadro-colagem
do casal-peixe daqui.
- Planejo terminar a
leitura de 'Chelsea Girl' – faltam 100 págs.
- Planejo concluir a
escrita do poema-livro. Por causa disso, espalhei mapas pela sala.
- Tenho lido bem menos
do que imaginaria.
- Escrevo, publico e
apago meus instantes imediatamente.
- O tédio e o tesão
estão conjugados.
- Oscilo entre a
euforia e o sono.
- ‘Eu sempre oscilei’.
- Fudi duas vezes.
- Procrastino os
esquemas pragmáticos.
- Faço contas com a
grana escassa.
- Penso nas pessoas
encarceradas. Hoje teve uma live com Denise – poucas pessoas viram.
- Desisto de ler para a câmera ‘O livro de hoje do amor’ e ‘Rabiscos de uma
intimidade anunciada’.
- Quero trocar a cortina e a cor do sofá, faço planos.
- Angela me conta um
sonho. Respondo: Angel, parece David Linch tropical. Signos que escorreram nas
minhas sinapses: elevador, crianças no final da narrativa, o homem negro,
canos. Tem um trânsito permanente, né? Lição que acontece numa verticalidade.
Um elevador, diferente de uma árvore, seria um anti-horizonte? O sonho começa
burocrático e termina com promessa de futuro.
- Mônica me explica a
configuração do céu. Até hoje não respondi sua mensagem. Sorry.
- Vejo muitas
borboletas no verde vizinho daqui de casa.
- Saio três vezes durante
a semana para ir ao mercado.
- Sonho com uma rua
perigosa em Itapuã.
- Ligo quase todos os
dias para mama. Ela me manda a voz dela lendo o texto das perguntas publicado
em um dos posts no insta.
- Sara me manda mil
mensagens incentivando a hashtag fica em casa e a voz de Bia falando o poema do
escuro, inventado por ela. Fico bobo.
- Cibele, preocupada,
me envia um áudio – ‘Tá se cuidando, amigo?’. ‘Sim, tá tudo bem, bom ouvir sua
voz’, respondo.
- Gabriel, preocupado,
me envia uma mensagem. Digo ‘oi, sim, se cuida, vamos escrever um livro, manda
beijo para Ana’.
- Ana, da África, me
faz rir e fotografa uma picture de um cara parecido comigo. Joaquim tá bem.
Viva!
- Corro riscos. Tenho
sequelas, agora percebo.
- Meus segredos ficam
se esfregando em minha cara.
- Fabrico um planner e
rasgo.
- Escrevi uma carta
para Diogo.
- Escreverei uma carta
para Marina.
- Acordei cansado de
madrugada e penso melodramático – sou mais uma vítima.
- Escuto a discografia
de Martinho da Vila, Titãs e Paulinho da Viola.
- ‘Aos prantos’ está no
repeat.
- Não canso de
ouvir-dançar o frenesi da canção ‘The dogs are over’.
- Fiz quatro sessões de
análise pelo telefone.
- Penso nos cachorros
que precisam sair de casa com seus donos que precisam ficar em casa.
- Penso naquele texto
que escrevi sobre calma.
- Penso no mar
respirando.
- Penso especialmente
no Porto da barra respirando.
- Penso em fazer um vídeo
com Gil cantando 'Ele e eu'.
- Penso na natureza
crescendo sem as interferências de nossos pés.
- Tem dias que como
muito.
- Tem dias que como
muito pouco.
- Li textos de pessoas
compartilhando esse lance de procrastinar.
- Li todos os poemas do
livro 'Nódoa'.
- Li todos os poemas
pornográficos de 'Cidade dos afetos'.
- Li a boneca de
'Reza'.
- Li textos avulsos de
amigos.
- Limpo a casa quase
todos os dias.
- Escrevo um texto com
um dos Léos de my life.
- Escrevo fluxos com os
babysloves Lau e Marcinho.
- Escrevo com Di
frases-estratégias para ficar em casa.
- Planejo escrever um
ensaio com Ramon sobre muitas atmosferas virais.
- Ainda não limpei a
poeira embaixo da máquina de lavar.
- Ainda não limpei a poeira
embaixo do guarda-roupa.
- Ainda não limpei a
caixa de entrada do meu email.
- Ainda não arrumei os
talheres.
- O boy não veio outra
vez.
- Um outro boy disse que
viria depois que tudo acabar.
- Lavei poucas roupas.
- Esqueci de estender
os lençóis. Farei isso agora.
- Decido responder os
emails burocráticos antes das oito.
- Decido assumir a casa
como um ateliê de escrituras.
- Sinto falta de
Lurdes.
- Sinto falta de ir ao
cinema.
- Assisti ‘Hebe’.
- Tenho querido
construir uma ontologia de floresta para meu corpo.
- Qual a minha verdade?
- Qual minha
anti-mímesis?
- Acordo todo dia muito
cedinho, mas só eventualmente levanto quando acordo.
- Tenho colocado sementes
de girassol para germinar.
- Bebo o suco verde-alegria
manhã sim manhã não.
- Molho as plantas
tarde sim tarde não.
- Fico contemplativo
sim contemplativo não.
- Pergunto sem
ansiedade sobre o depois.
- Pergunto com
ansiedade sobre o agora.
- Bebi uma lata de
cerveja.
- Fiz um molho de
tomate com muito alho poró.
- Pulei corda algumas
vezes.
- Hesito se devo
publicar essa lista de notas.
- Tomei banho de cravo.
- Fui correr, na
terça-feira, até o porto.
- Ganhei receitas de esfoliação
natural para o rosto.
- Hidratei meu corpo
com argila verde. Planejo fazer isso amanhã outra vez.
- Algumas pessoas
insistem em publicar o pessimismo de uma modernidade escrita em 'Congresso
internacional do medo'.
- O gás acabou no meio
de tudo isso.
- Comprei um pote de
açaí.
- Perguntei à menina do
mercado se o mercado vai fechar algum dia. Ela balançou a cabeça negativamente.
- E as diaristas não
dispensadas pela patroa?
- Houve
panelaço-manifestação contra a necropolítica escancarada do miliciano (minhas
amigues ficaram esparançosas).
- Mandei uma mensagem
para meu ex-namorado.
- Voltei aqui depois de
um tempo para publicar esse texto.
- Acho que Tapioca tá
sem entender: eu horas a fio com ela – nossas temporalidades se lambendo num
cotidiano mais que cotidiano.
- Cada vez mais entendo
que corre nas nossas veias sangue e contradição, mas cada vez mais entendo um
não querer abrir mão de uma ética, ainda que entre em circuitos mais radicais.
- Agora eu estou
gostando de ficar assim nesse tempo dilatado.
- Acho arriscado pensar
esse momento apenas pelo viés místico.
- Nunca a territorialização e a desterritorialização de corpos, casas, ruas,
países, democracias e olhos estiveram tão experienciados.
- Estou meio alienado.
- Desconfio de
posicionamentos altamente auto-referenciados.
- Opto, uma vez ou
outra, por uma radicalidade estratégica.
- Nunca o virtual e o
real se cruzaram tanto. Nunca a ficção e a realidade estiveram tão pareadas.
- Volto a Espinosa para
relembrar a lista de afetos copilados por ele.
- Escrevi, em letras
minúsculas, um texto para Laura depois da minha experiência com ‘mina dágua do
meu peito’. Em seguida, ela me diz que sonhou comigo nessa noite e na semana
passada. Fico espantado com nossa transa astral.
- Gil leu um poema de
uma música esquecida chamada 'Academia'. Fico espantado com a profecia:
A
cada epidemia
A
cada epicatragicômica mania
De
abusar o mudo
Absurdo
e cego
Querer
que o mundo recite poesia
Academia
A
cada epidemia
A
cada novaepidérmica mania
De
querer mais tudo
Sobre
mais que tudo
Como
se tudo não fosse todo dia
Academia
A
cada epidemia
A
cada epidemia nova
Eu
volto imediato pra Bahia
-
Bete publicou um tbt de janeiro passado quando ela e duas outras artistas
construíram máscaras-respiradores vegetais. É bonito o texto da postagem
escrita por ela: ‘Imaginamos um explorador-astronauta-mergulhador vindo de
outro tempo. Um tempo em que aprendemos compor com outros seres, criando outros
modos de viver e morrer juntos nesse planeta’.
- O futuro é agora.
- Fiz um vídeo dançando
com Tapi e uma folha.
- Marília leu ‘O dia
internacional da poesia em casa’. A leitura dela e o poema trazem um riso
porque faz uma ternura no meu peito.
- Faço muitos prints de
poemas, boys, casas e girafas.
- Nunca minha casa
esteve tão latente na minha idiorritmia.
- Retorno à escrita de
um poema antigo.
- Retorno à mesa de
estudos.
- Estou mais atento aos
sonhos, mas ainda não os escrevo.
- Comi bolo chuvisco
ontem.
- Desde ontem, o céu é
cinza.
- Quero correr na orla.
- E as baianas de
acarajé?
- Quero prestar mais atenção
nas vibrações das coisas.
- Quero abrir o corpo.
- Quero fechar o corpo.
- Quero ser forte.
- Quero ser fraco.
- Escrevo para Di: ‘amar,
desistir, amar ad infinitum – porque não sou de ferro’.
- Lembrei da roupa
vermelha que vesti dois dias antes da quarentena – uma calça adidas vermelha
que custou quatorze contos compunha o look.
- Tem uma invasão de
micro formigas na casa.
- Eu te mostrei a
música-declaração que não fiz antes de vc ir. Vc me confessou os seus vacilos.
Eu confessei as minhas idiossincrasias. Não chorei dessa vez.
- Essa semana faz um
ano que aconteceu aquele choro-tempestade-cura.
- Dei voltas e voltas e
voltas no último telefonema.
- Estou no inferno
astral, mas me esqueço disso.
- Domingo acontecerá
festinha das minhas 38 voltas no planeta uau – é sempre um espanto mais um year
old na contagem diacrônica. Vai rolar bolo de chocolate e pão artesanal.
- Acho que minhas mãos
envelheceram.
- Escutei Wandula
depois de tanto tempo.
- Tô fazendo ioga com
Bete e Sthefferson.- Alongo e respiro para lubrificar as algas do meu corpo.
- Anotei isso hoje:
cultivar meu corpo radiante e meu corpo físico ao mesmo tempo.
- Nota de rodapé –
Texto para Laura:
laurinha, acordei
cedinho – quatro da madruga. vi o céu amanhecer. a rotina e o humor oscilam
nessa tragada do mapa do nosso tempo astral. li agorinha mina dágua do meu
peito – sua safona-onda – sua reza-reverência – é onda – é onda branda – é
política de delicadeza, te cito – eu li agorinha no amanhecer. a temperatura de
sua aquanatureza fez um cruzamento com a temperatura da minha aquanatureza:
nossa idiorritmia. babylove, você espalhou água com sua fala – sua força – sua
feminilidade – sua vulva - suas mães ancestrais. você fez uma maré no sofá azul
daqui de casa. você minou e fertilizou água no meu colo e nos meus pés – vou
voltar e ir e. tomei banho de cravo ontem. tomei banho de água do seu
cheiro-maré hoje. p r e s e n ç a do corpo soul norte. minhas próximas horas
serão guiadas pela ressaca desse gole de mar.
- Outra nota de rodapé
– o Poema de Bia:
uma
foto de palhaço
lá
no escuro
todo
feito
lá
no escuro
todo
está
lá
no escuro
você
pode imaginar
monstro
do escuro
monstro
do guarda-roupa
você
pode imaginar tudo
assustador
lá
no escuro
-
Mais uma nota de rodapé – o poema do livro ‘Nódoa’ de Bobby Baq:
Usar
os dedos
no
lugar das pernas
para
percorrer pessoas
enquanto
busco nelas
a
própria linha de chegada.Usar os dedos
no
lugar da pernas
e
deixar somente a impressão
ao
invés de deixar a pegada.
-
Última nota de rodapé – texto-postagem publicado no insta:
sente
o drama, baby | o filtro tirou as linhas da minha testa | qual título de livro
vc acha curioso? | vc ainda escreve cartas? | apareceram muitas borboletas por
aí? | qual o seu melhor close na quarentena? | pergunta e segredo de
liquidificador | qual quer pergunta | qual a última canção vc bebeu? | vc mata
formigas? | vc insiste qdo parece que não te dão bola? | vc gosta de barba e
lâminas? | vc já cortou seu próprio cabelo? | vc escutou aos prantos? | qual a
última vez que vc gozou? | vc já percorreu o corpo de alguém com seus próprios
dedos-coração? | vc gosta de chiclete, farinha, chá? | vc sonha caindo? | vc
quer um biscoito? | vc sabe de vocêzinho? | vc pulou a cerca, o gap, a
fogueira? | vc cintila no escuro? | vc já teve um blog ou um sapo? | vc conhece
o significado da quartzo azul? | quantas vezes vc disse adeus? | por quantos
buracos vc já se meteu? | vc já comeu terra? | vc conhece itapuã? | o que te
saliva? | o que te vicia? | o que te sustenta? | pergunta | o que vc quer saber
de verdade??